Moro em Paris há doze anos e adoro essa cidade. Que fique claro que minha intensão aqui não é denigrir Paris, mas sim falar da diferença entre visitar e viver em Paris
Li que 65% dos jovens brasileiros partiriam do país se pudessem, sendo assim, achei interessante compartilhar no post A diferença entre visitar e viver em Paris alguns aspectos de minha vivência no exterior, especialmente na capital francesa, cidade tão idealizada.
Essas diferenças são muitas e raramente as quais imaginamos quando estamos visitando ou sonhando com Paris.
Essa vontade de querer deixar o Brasil é uma tendência que já havia constatado muito antes de ter lido os jornais. Paralelamente tenho uma filha de 26 anos que optou viver no Brasil. Atenção, ela cresceu no Canadá e na França, mas escolheu o Brasil para viver.
Há o que vemos quando visitamos e há a realidade. Os defeitos de uma cidade não retiram dela suas qualidades, mas essas mesmas qualidades apreciadas durante uma viagem, podem ter um papel completamente diferente na sua vida quotidiana.
Veja alguns exemplos:
Você está visitando Paris, por consequência há grande chance que você esteja alojado ou passando a maioria de seu tempo em regiões centrais e turísticas. E nelas não há violência, não há tensão social visível. Então você conclui que aqui é o lugar mais igualitário e seguro do mundo.
Você vem viver aqui e descobre que não poderá pagar um apartamento no centro da cidade antes de muitos anos, ou que se conseguir viver no centro da cidade terá que reduzir consideravelmente seu espaço vital. Então, quando estiver na periferia saberá que, como em qualquer outra cidade do mundo, o trem e esta periferia são perigosos, nem um pouco seguros. Aqui, em certas periferias, especialmente para mulheres sós e sem véu.
Você está visitando e vê toda essa gente jovem em bares e cafés e pensa: nossa essa gente tem tempo e dinheiro para gastar em café e cigarro.
Você vive em Paris e descobre que os apartamentos são muito pequenos e essas pessoas só estão nos bares pois é impossível receber em 15 metros quadrados ou quando se divide um apartamento. E o povo fuma pois é stressado mesmo ( pura valvula de escape).
Quando visita Paris você vê (mais uma vez) toda essa gente nos bares e pensa: nossa que legal, quando viver aqui farei isso também!
E então você vive aqui e descobre que esses encontros acontecem pois ninguém quer gastar dinheiro recebendo uns aos outros e, sobretudo, sem auxilio profissional para a limpeza, ninguém se habilita a gastar, cozinhar, servir e ainda limpar uma casa ( de novo) depois da visita. Basta perder um dia por semana limpando, mais que isso não!
Você está visitando Paris e admira as escolas públicas e sistema de saúde gratuito.
Você vive em Paris e descobre que com o sistema escolar elitista francês, seu filho tem que ir numa excelente escola pública se deseja ter uma esperança de carreira. E essas excelentes escolas públicas se situam no centro da cidade, onde você dificilmente consegue pagar o aluguel e jamais poderá comprar um apto.
Você vive em Paris e vai ver o médico. E ele te trata como um imigrante que veio de seu país comedor de bananas somente para usufruir desse sistema médico “gratuito” que ele representa. Então, o profissional parece pensar consigo mesmo: você veio aqui somente para usufruir de meus serviços? Vou te receitar paracetamol até o seu cu fazer bico e vou ganhar minha comissão da indústria farmacêutica e não falemos mais nisso.
Você detesta baratas no Brasil? Visitou e não viu nenhuma?
Você que veio viver aqui pode ficar feliz, aqui elas são quase inexistentes. Bem menores, só existem em lugares muito sujos. Porém, aqui camundongos farão parte de sua vida. Não importa quão limpa for sua casa ou o restaurante onde estiver, a qualquer momento Jerry pode fazer uma aparição.
Você vai descobrir também que o filme Ratatouille é uma obra biográfica de um tipo muito comum nas noites parisienses. Especialmente ao redor das barraquinhas de alimentação e nas lindas margens do Rio Sena.
Resumindo; Camudongos são os pequenos, ratos são os grandes. Camundongos são muito ocasionais em ambientes internos, os ratos nunca.
Aquelas lindas pontes que você vê nos blogs e passa por cima enquanto visita tirando suas próprias fotos? Passe por debaixo delas nas margens do Rio Sena após uma semana ensolarada. Se é baiano se sentirá em casa, o cheiro de urina te lembrará Salvador depois do Carnaval.
Você visita Paris e ouve aquele conhecido brasileiro que já vive aqui dizendo: aqui ninguém é racista, só não gostamos mesmo de árabes e negros. E você pensa que esse seu conhecido enlouqueceu de vez!!
Então você vive em Paris e descobre que nas periferias e concentrações muçulmanas as jovens são obrigadas a se masculinizar e colocar calças de jogging largas, camisetas largas e bonés para não serem agredidas ou assediadas pelos grupos masculinos da região. Você descobre que no passado, em uma periferia, uma jovem já foi imolada por se recusar a colocar véu. Um dia mexem com você na rua, você ignora é agredida verbalmente. Então você começa a se questionar sobre tudo isso.
Você sempre foi em prol da caridade e teve impulsos de bondade quando viu pela primeira vez populações oriundas de países miseráveis ou em guerra querendo entrar na França. Você vibrou com a misericórdia francesa.
Agora você vive em Paris e se pergunta por que esses mesmo imigrantes que acreditam que a França é culpada da miséria de seus países de origem estão mendigando nas ruas daqui. Cade a ajuda governamental? Você se pergunta qual será o futuro deles e desta nova nação, outrora isenta de miséria. Você se pergunta por que todos aqui se preocupam tanto com as vacas, as galinhas, pregam o bem-estar próprio, social e animal através das mais diferentes manifestações, mas nunca ninguém se preocupou com os horrores do continente vizinho antes. Você tem medo de usar seu crucifixo e alguém não gostar.
Você descobre sim que a Europa e o resto do mundo estão envolvidos na miséria da África e se pergunta se isso é irresponsabilidade governamental ou se essa imigração e pobreza nas ruas é causa e conseqüência!?
Não escreverei aqui sobre as dificuldades de obtenção de papeis para viver legalmente na Europa. Para essas dificuldades vale mais o ditado “Não sabendo que era impossível ele foi lá e fez”.
Se fosse minimamente narrável a chatice e dificuldade de obtenção de papeis no exterior, ninguém sairia do Brasil. Mas uma vez que você está aqui e entrou na chuva…
Você termina sua visita admirando um músico que você vê passando de bar em bar, você acha lindo! Ele toca Besame Mucho no saxofone. Waw, que emoção! Ok, você nunca gostou de Besame Mucho, mas você está em Paris e seu avô adorava essa música, enfim alguém que você acredita conhecer adorava esta música. O que importa? Você está em Paris e a música lhe parece a mais bonita do mundo! Que lindo, seu coração palpita emocionado.
Agora você vive aqui e finalmente consegue se instalar em Paris, seu apartamento custa 650 euros, enfim um espaço de 16 metros quadrados pode ser chamado de apartamento? Você ganha 1200 como garçon. Não importa, você está feliz! Esses seis andares a pé vão te ajudar a emagrecer.
O proprietário foi legal, ele poderia ter colocado esse apto no Airbnb pelo dobro do preço! Pela única janela você vê a ponta da Torre Eiffel e ( a acústica destes prédios é ótima) pode até ouvir os músicos passando de bar em bar. Você ouve o saxofonista tocando lá embaixo. Que legal! Paris é demais!
E alguns dias mais tarde você descobre que o saxofonista só sabe tocar uma música: Besame Mucho, que após um mês, você já não agüenta mais.
Isso sem falar na maior das dificuldades, a saudade. Prepare-se, você terá sempre a saudades com você. Você pensa saber o que é isso? ( A não ser se perdeu alguém por luto…) Não, você não sabe. Essa síndrome de imigrante, pode não ocorrer de imediato, mas cedo ou tarde ela vai te pegar. E aqueles momentos que pareciam os mais chatos do mundo se mostrarão à sua memoria como lembranças da felicidade que você não sabia que tinha e nunca saberia se não tivesse chegado aqui. Por causa desse e outros fatores, muita gente volta ao Brasil.
Amigos como você tinha no Brasil? Nunca mais! Prepare-se para descobrir que amizade não significa a mesma coisa no mundo todo.
Mas você enfim tem seu “ap” em Paris. Quem diria? !Um quarto que parece O Quarto de Vicent Van Gogh! Você está feliz!
E ai…no conforto de sua masmorra, você pensa:
O que importa o cheiro de urina, as questões raciais, as dificuldades para achar moradia, a pobreza crescente, o vandalismo, os seis andares sem elevador, as falsas ameaças terroristas, a solidão, a saudades, a centena de moradores às margens do Sena, os pedintes nas ruas, os batedores de carteiras …
Você está em Paris, a arquitetura é linda, a história fascinante, o Rio Sena é um charme. Paris é a capital da modernidade e da Belle Époque, do Iluminismo, da moda, do Jazz, da pintura, do feminismo feminino, Paris é a capital do conhecimento e também do romantismo. Paris é demais!